“As empresas chinesas vão querer investir na produção de bens de luxo em Portugal e, nas próximas décadas, tudo continuará a ser jogado no Oriente”, diz em entrevista ao NOVO o vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa, a mais antiga (e única) reconhecida legalmente pela República Popular da China. Os negócios funcionam cada vez mais nos dois sentidos. O próprio Wu Zhiwei começou a investir na produção de vinho português em 2015.
De que forma é que Macau tem servido de ponte na relação económica entre a China e os países de língua portuguesa?
A Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) tem vindo a ser um caso de sucesso e de milagre económico na região e isso em muito se deve às excelentes condições globais e alicerces institucionais deixados pela administração portuguesa, além da capacidade de entrega e de desenvolvimento das autoridades da RAEM com todo o apoio de Pequim. Neste esforço conjunto, os empresários de Macau têm vindo a fazer apostas audazes e confiantes, aventurando-se entre o continente chinês e os países de língua portuguesa. Macau tem hoje todas as condições de conhecimento legal de matriz portuguesa, com capacidade económica e financeira para realizar investimentos no exterior devido também à sua robusta estrutura económico-financeira. Temos em Macau bons recursos humanos bilingues e que sempre viveram as culturas chinesa e portuguesa, arriscando-me ainda a dizer, hoje, cultura lusófona. E é por todas estas condições que muitas empresas de Portugal têm procurado Macau para se estabelecerem antes de entrarem em operações no continente chinês, uma vez que só o mercado da região vizinha e fronteiriça com Macau, a província de Cantão, tem mais de 120 milhões de consumidores e Macau recebe mais de 33 milhões de turistas ao ano.
O Fórum de Macau descreve a cooperação entre a China e os países de língua portuguesa como um exemplo no combate à covid-19. Em que consistiu essa cooperação?
A cooperação bi-multilateral tem levado a aprofundar a cooperação em vários sectores. Pessoalmente, tive a preocupação imediata de, logo em finais de Janeiro do ano passado, enviar algumas centenas de equipamentos para a embaixada de Portugal em Pequim e respectivos consulados-gerais em Macau, Cantão e Xangai, para ajudar a proteger as nossas missões diplomáticas portuguesas, e à medida que a situação se foi agravando em Portugal doámos centenas de milhares de EPI para hospitais públicos portugueses por via do Ministério da Saúde e para outras entidades públicas, para além da PSP e bombeiros.
Que medidas estão agora a ser implementadas para fomentar a retoma económica de ambos os lados?
Macau tem sido uma região exemplar no combate à pandemia e isso tem permitido que a vida económica, comercial e empresarial tenha podido retomar o seu rumo muito rapidamente, mas obviamente que apostando muito mais no consumo interno local e regional da chamada Grande Baía. O próprio governo da RAEM tem igualmente apoiado a população e as empresas nos momentos mais difíceis. Mas a situação pandémica será passageira e ambas as economias vão com certeza ultrapassar novos recordes de investimentos e de trocas comerciais. Daquilo de que tenho conhecimento, os planos mantêm-se, e ainda se aproveitam estes momentos de maior acalmia para lançar novos projectos ou consolidar os existentes. Do lado do Governo de Portugal temos vindo a assistir ao lançamento do estatuto do investidor da diáspora, que tem vindo a promover benefícios fiscais e majorações nos fundos europeus para empresários e investidores portugueses no mundo que queiram investir ou abrir actividade em Portugal.
Como tem sido a evolução do investimento chinês em Portugal e que expectativas tem para os próximos tempos?
O investimento está em crescendo, pois temos de ter a noção de que o centro de gravidade da economia mundial está na Ásia e, como o mercado interno chinês está com uma elevada cultura de exigência de consumo de produtos de grande qualidade, as empresas chinesas vão querer investir na produção de bens de luxo em Portugal. Nas próximas décadas, tudo continuará a ser jogado no Oriente. Nós, os portugueses que temos uma presença privilegiada nestas regiões do mundo, devemos saber captar, tornar-nos parceiros e encaminhar ainda mais investimento da China para Portugal.
O próprio Wu Zhiwei optou por investir na produção de vinho português em 2015. Que balanço faz hoje dessa experiência?
No ano de 2015 realizei uma prospecção completa de norte a sul de Portugal, litoral e interior, e pela localização, por estar a menos de 30 minutos do aeroporto de Lisboa, decidi investir no Carregado, de onde em 2019 comecei por exportar o primeiro contentor para a China. Hoje posso dizer que já estamos a consolidar posições no mercado chinês. Na frente doméstica, estamos já a iniciar as obras de ampliação da adega e já está nos nossos planos o reforço de um grande investimento no plano de desenvolvimento do turismo da região de Alenquer. E se o sr. embaixador de Portugal em Pequim deu a conhecer o vinho da Quinta da Marmeleira aos representantes diplomáticos dos países europeus na China, a nossa responsabilidade de garantir a qualidade de excelência aumentou muito mais no que toca a ambições globais. Contudo, a presença empresarial bem-sucedida deve contar com boas políticas de responsabilidade social, e a Quinta da Marmeleira e eu próprio temos vindo a apoiar as bolsas de estudo da Universidade Católica Portuguesa, as colónias de férias para crianças, o restauro e a construção de núcleos museológicos na Bataria da Lage, em Oeiras, que está à guarda da Associação dos Comandos e de que tenho a honra de ser sócio honorário, entre outras iniciativas.
E em sentido inverso? Qual tem sido a evolução do investimento português na região?
As empresas portuguesas têm vindo amiúde a tentar entrar na região, o que não é fácil, sobretudo se não tivermos o domínio da língua e da cultura. Localmente e em Macau, a comunidade portuguesa fluente em chinês contará com 25 mil pessoas, e as empresas portuguesas deverão aproveitar este capital humano bilingue, já com as suas redes de contactos estabelecidas. Por outro lado, as empresas exportadoras devem sempre pensar em estabelecer um centro operacional a partir de Macau – até pelos benefícios dados pelo governo da RAEM – e assim ganharem algum conhecimento mais aprofundado do mercado, não ficando refém de um único importador ou distribuidor. Recomenda-se uma atitude presencial ou de grande proximidade. No investimento em Macau, ou na chamada Grande Baía, o custo é com certeza mais elevado do que em Portugal, mas o retorno será muito mais elevado devido à escala e à concentração populacional. A grande região compreendida entre a província de Cantão, Macau e Hong Kong perfaz aquilo a que chamamos locomotiva da economia chinesa.
E que papel tem desempenhado a Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa na construção dessa relação?
A CCILC é a mais antiga e única câmara de comércio e indústria reconhecida legalmente por Portugal e pela República Popular da China, com uma filial em Macau. Os seus planos incluem a abertura de uma sede em Pequim, além da existente em Lisboa. Tenho vindo a apoiar na atracção de mais associados de peso, a par da organização de visitas de autoridades chinesas acompanhadas de comitivas empresariais a Portugal. E, por outro lado, junto das autoridades chinesas – seja em Pequim, em Anhui ou em Macau -, tenho vindo a sensibilizar para as enormes potencialidades de Portugal, país com um relacionamento de cinco séculos com a China, o que é qualquer coisa de colossal. A CCILC, composta por grandes empresas portuguesas e chinesas, conseguiu trazer para junto de nós o empresário de Macau e meu amigo Kevin Ho, accionista da Globalmedia.
Como é que a comunidade portuguesa assinalou este ano o 10 de Junho?
Se há um local no mundo com uma tradição arreigada, ininterrupta e com toda a pompa e circunstância das celebrações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, esse local é em Macau, que junta não só portugueses, mas também chineses. A comunidade portuguesa em Macau é tão rica que representa o milagre multiétnico e universal português – temos portugueses vindos de Portugal, outros já nascidos em Macau, miscigenados entre portugueses e a população asiática, os chamados macaenses, entre outros também portugueses mas etnicamente chineses, e o sentimento de pertença não se mede por quem fala ou não a língua ou pela aparência. A maioria dos 180 mil portugueses em Macau não fala a língua, mas sente e tem em si a cultura e o modo próprio de ser e de estar português que nos distingue culturalmente das populações na região da Grande China. Isto é fruto de 500 anos de convivência harmoniosa e, por isso, este ano iremos cumprir a tradição de participar na cerimónia do hastear da bandeira nacional no consulado-geral de Portugal em Macau com os escuteiros lusófonos e a banda do corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau, respectivamente a fazer de guarda de honra e a entoar “A Portuguesa”, seguindo-se a romagem até à Gruta de Camões. As comemorações do Dia de Portugal terminam, ao fim da tarde, com a recepção do 10 de Junho no Bela Vista, a residência oficial do cônsul-geral de Portugal em Macau, o embaixador Paulo Cunha Alves, que tem feito um brilhante serviço na chefia da missão e nos tem acompanhado desde o primeiro momento. Já na região vizinha de Hong Kong, sei que as cerimónias vão ter lugar no muito nobre Club Lusitano de Hong Kong, que reúne a multissecular elite portuguesa local.